sexta-feira, 27 de outubro de 2017

Palavra-mágica


Nem me lembro bem de quando foi que tomei gosto pela escrita. Acho que, antes de tudo, veio o gosto puro e simples pela palavra. Comecei muito cedo a entender as palavras, a ler e, aos poucos, entender o seu sentido. E ali fez-se a mágica. A leitura sempre foi minha amiga de infância. Sabia que, com a simples conjunção de algumas letras, podia-se tudo: expressar dores, criar mundos de encanto e prazer, arrancar risadas ou provocar lágrimas. E sempre tive gosto de usar isso para me expressar, para contar da realidade que me afligia ou deleitava ou para criar outras realidades quando aquele desabafo do real não era suficiente. Lembro de pelo menos dois “livros” escritos na tenra infância e começo da adolescência. Depois disso, as palavras passaram a ter o peso do julgamento, da comparação adulta. E eu me perdi delas ou, ao menos, tentei as calar e reter dentro de mim. Muitas vezes não conseguia, mas, depois de muita prática, hoje parece que elas me fogem na maioria das tentativas que faço em busca delas. O que me vem sempre são palavras prontas, em fórmulas repetidas e pensadas para agradar. O medo de não conseguir ir além delas me impede sempre de arriscar. A imaginação me abandonou. A mágica das palavras não habita mais em mim, mas continuo em sua busca, em tentativas de voltar a ter os olhos da mente abertos para o que nem sempre se pode ver, mas se pode criar e contar. 

terça-feira, 29 de agosto de 2017

Poesia dos sentidos

Um fim de semana de sonho. Cidade linda e vibrante, com energias boas que emanam do cansaço de varrer ruas de pedras com os pés afoitos por desbravar a beleza e, a partir deles, criar memórias permanentes que sobem e entorpecem a vista. Tato e visão integrados. O olfato também tomado pelo ar marinho e pelo cheiro úmido da água que empoça nas ruas cheias de histórias para contar, de ontem e de hoje. A alegria sorridente de testemunhar o amor e o mundo em uma igrejinha branca cheia de desconhecidos à beira-mar parece ser um novo sentido. E o paladar, por fim, ocupado totalmente em sugar todos os sabores do mar, das frutas e da cachaça local que, aguardante, enche de água as bocas sedentas de diversão e faz arder a chama da música dentro dos corpos que vibram. Vibram no batuque, vibram no contato uns com os outros e com o chão desse pedaço de paraíso. Uma pitada de realidade vem com a voz (insana?) que grita por um pouco de café ou por um cigarro na noite fria da espera pela volta. Nos ombros, pesa um pouco a culpa, mas também o peso da bagagem que, curiosamente, leva apenas um pouco pequeno, mínimo, de coisas físicas. Pesa e enche ali, talvez, o amontoado de lembranças que nos acompanham para casa e não se desfazem nem na rotina fechada da semana.

segunda-feira, 19 de junho de 2017

O tempo e a solidão

Hoje pela manhã, tão cedinho de doer a vista de sono, pego o ônibus a caminho do médico. Contrariando a máxima que diz que os madrugadores são beneficiados pela ajuda divina, o veículo já vinha cheio e grande parte dos passageiros eram simpáticos velhinhos. Chegando ao posto de atendimento, mais senhorzinhos simpáticos - e outros nem tanto - se acomodavam nas cadeiras e corredores. Lembrei de uma vez ter escutado alguém reclamar: “não entendo porque eles andam nesse horário. A maioria não trabalha e poderia muito bem evitar as horas de maior movimento”, e tive uma iluminação: esse mundo cheio e agitado que nos sobra e deixa tensos, é para eles muitas vezes a única oportunidade de combater a solidão e aliviar a tensão de estarem sozinhos. Causa de doença para uns e remédio para outros.

sábado, 27 de maio de 2017

Viagens e reflexões



Vejo o mundo passar pela janela e me sinto em um feriado em plena segunda. O sol forte ilumina tudo que passa, tornando quase impossível deixar lugar para qualquer tristeza. Mesmo as preocupações aqui dentro parecem distantes, mais leves, como se também não fosse tarefa minha dirigir a vida e seus problemas, mas sim ser apenas passageira e espectadora. Acho que, por isso, nunca gostei muito de estar ao volante. Gosto de poder olhar lá fora e viajar.

Assistir às coisas que passam, sem controle, é libertador. Tentar não me preocupar com o tempo que leva para chegar me faz pensar em não me preocupar também com os prazos e rapidez das entregas. É saber que, mesmo que demore e que haja paradas inesperadas no percurso, vamos estar no nosso destino ao final.

Gosto de viajar, de ver as paisagens mudarem de tempos em tempos. Das lembranças que isso me traz: muitas de brigas e disputas por espaço, mas até essas positivas, por demonstrarem uma cumplicidade boa, um estar junto com afeto, chips e balas de café. Uma saudade que lembra do que já foi, mas que permanece. Difícil de repetir, mas impossível de desfazer.

*Escrito em 10 de abril de 2017, em mais uma das viagens da vida.

Mulheridade

Que nesse dia da mulher, criado para dar visibilidade às causas femininas e mostrar o quanto ainda falta para alcançarmos a igualde de gênero, cada uma possa ser o que quiser!
Que ninguém seja obrigada a ser a super heroína que cuida de tudo e de todos, a mulher extraordinária que tem rotina dupla de trabalho, a mulher que tem que atender a todos os padrões impostos pela sociedade, de "boa esposa", "boa filha" ou "boa mãe". Que ninguém seja obrigada a abandonar seus sonhos e vontades em função de "deveres" impostos.
Que tenhamos igualdade de oportunidades e salários e que as novas gerações sejam cada vez mais empoderadas e livres! É o que desejo a todas nós nesse e em todos os outros dias!

*Escrito em 8 de março de 2017

quinta-feira, 17 de setembro de 2015

Viagem pela vida real

Pela janela do ônibus vejo a vida nascer e passar lá fora
Sempre gostei de ouvir histórias, mas confesso, com tristeza, que nos últimos tempos tenho tido poucas oportunidades para isso. E quando as oportunidades se apresentam, muitas vezes deixo passar por cansaço ou desinteresse. Em uma das minhas últimas viagens de ônibus, mal sentei na poltrona e já queria me isolar, ouvindo música, vendo o mundo pela janela, pensando na vida e, com sorte, até cochilando. Missão quase impossível quando uma senhora falante e expansiva se sentou ao meu lado.

Nem tão senhora assim, lá pelos 50 anos, minha companheira de viagem mal se acomodou no banco e já iniciou sua conversa. Imediatamente adotei minha tática de sorrir - para não parecer antipática - e virar para o lado, indicando que queria sossego. Mas aí me dei conta de que aquela conversa certamente traria mais benefícios para mim do que para ela. Era uma excelente distração para enfrentar as 4 horas e meia de viagem. E então, pensei: por que não fazer diferente dessa vez e ouvir?

Não precisei de muito para puxar papo. Minha vizinha de poltrona logo começou a emendar um causo no outro e, ao fim, saí com uma inspiração gigantesca anotada no meu "caderninho da vida". Ela me contou que, após perder o marido, alguns anos atrás, se viu sozinha, com dois filhos para sustentar e muitas decisões a tomar. Mesmo formada, nunca tinha exercido profissão, sempre havia sido dona de casa. Mas decidiu colocar os livros embaixo do braço e investir em uma atualização. A pós-graduação em serviço social logo a conduziu ao posto de assistente social do estado de São Paulo.

Foi contando, com uma energia incrível, como era emocionante acompanhar e ser homenageada nas formaturas de crianças e adolescentes "problemáticos", considerados casos perdidos, mas que ela ajudou a "resgatar e colocar no trilho certo". Contou, também, com uma sensação de impotência, os muitos casos em que ela não conseguiu ajudar famílias que precisavam de muito apoio, em situações extremas de pobreza e desespero. E os olhos brilhavam, ao mesmo tempo de vontade e desilusão, ao falar das palestras que organiza sobre métodos contraceptivos e saúde da mulher, em uma tentativa louvável de diminuir os problemas sociais causados por gravidezes precoces e doenças sexualmente transmissíveis.

Desci do ônibus com um nó na garganta, sentindo-me culpada por ver o quanto há a ser feito e o quão pouco eu tenho contribuído. Mas também saí com o coração cheio por essa história de dedicação, por saber que ainda há muita gente que tenta e luta. Acumulei, naquelas pouco mais de quatro horas, muitas lições e um questionamento que não me deixou mais, desde então: estamos cada vez mais fechados em nós mesmos? Mas e a onda de solidariedade e coletividade que se propaga pelas redes sociais? É real? Ou só nos deixa discutindo as coisas no âmbito digital? Nos faz realmente ouvir e sentir como o outro, preocupados em melhorar sua situação, cultivando empatia? Ou só nos faz destilar opiniões extremadas e raivosas, sem querer ouvir ou agir?

sexta-feira, 10 de abril de 2015

A saúde da cidade

Ontem fui a um evento sensacional, o Inspira SP. Com palestrantes de diversas áreas, os principais temas abordados foram sustentabilidade e saúde (a nossa e a da cidade). Fiquei encantada com as iniciativas e histórias inspiradoras sobre como cuidar melhor de nós e do lugar em que moramos. Saí de lá realmente inspirada, porque acredito - e muito - que nossa saúde está diretamente ligada ao ambiente em que vivemos.

Foto do Parque Villa Lobos, um dos "presentes" que São Paulo me deu e que
permite às pessoas aproveitarem a cidade com saúde. Imagem tirada do site
do próprio parque 
Quando mudei para São Paulo, minha mãe, preocupada, disse: "Minha filha, a qualidade de vida lá é muito pior". E sim, essa era a impressão que tinha até vir morar aqui: a de uma vida corrida, agitada e enclausurada em uma cidade cinza. Mas, desde que cheguei, encontrei vários "presentes" para a minha saúde e qualidade de vida: os vários parques, onde adoro caminhar; a ciclovia que me permite deslocar para vários lugares de uma maneira saudável, econômica e ambientalmente correta; o transporte público, que me leva até onde preciso sem me estressar com o trânsito e admirando a cidade, pois também estimula caminhadas; as opções de lazer, gastronomia e cultura, acessíveis a todos e muitas vezes em espaços abertos, estimulando a convivência com a cidade e com as pessoas.

É verdade que ainda falta muito para tudo isso chegar a todos os moradores dessa cidade gigantesca, que os governantes e as pessoas ainda precisam mudar de consciência e sair da clausura dos apartamentos para aproveitar os espaços públicos e comuns, que ainda falta muito para alcançar uma mobilidade que atenda a toda a população, mas são iniciativas como as que ouvi ontem que nos inspiram e movem rumo a uma cidade mais saudável, mais bem utilizada e - por quê não? - mais gentil. Para isso, a (inspir)ação precisa partir de cada um!

Uptade: Recebi o vídeo de uma das palestras mais motivadoras do Inspira SP. Vale a pena dedicar alguns minutinhos!